sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O PRESENTE MAIS ESPECIAL


Era uma cidade perdida entre a exuberância da mata e o escarpado da serra.   

Uma cidade do interior como muitas outras. Na única escola havia uma só classe de alunos e uma única professora. As crianças, de variadas idades, eram amadas por ela e com carinho acolhidas todos os dias para as horas de ensino. Para aquela mestra, cada menino e menina era uma criatura especial.

Quando chegou o dia do professor os alunos desejavam lhe dizer que também a amavam muito e lhe levaram presentes.

Agitadas, cada uma delas desejava entregar antes a sua dádiva.

Os filhos do dono da chácara próxima, trouxeram uma cesta de frutos. Cada um mais bonito e cheiroso que o outro.

Os filhos do dono da granja trouxeram uma boa quantidade de ovos.

A filha da cozinheira do restaurante trouxe um bonito bolo de cenoura, com cobertura de chocolate.

Os três irmãos que viviam na fazenda lhe trouxeram um pequeno animal, um cabritinho.

A cada um, emocionada, ela abraçava e agradecia.

Por fim, o menino-índio, o único índio na escola, lhe deu uma concha.

Ela ficou encantada com a beleza da concha e, recordando seus próprios tempos de infância, colocou-a no ouvido para escutar o barulho do mar.

Ficou embevecida. Pela sua mente passaram as cenas dos dias em que, criança, brincava na areia, molhava os pés nas ondas que morriam na praia, fazia castelos e fortalezas.

Quando foi abraçar o menino, reparou que suas pernas e pés estavam empoeiradas, que a unha do dedão estava quebrada e que seu short estava sujo.

A camisa estava molhada de suor. Braços e mãos estavam imundos. Em seu rostinho suado os olhos faiscavam de alegria, percebendo o encanto da professora com a concha.

Foi no confronto com esses olhos que ela se deu conta de que a praia mais próxima estava a três horas de caminhada. Considerando a volta, isso significava seis horas de caminhada ininterrupta. E perguntou ao menino:

- Mas você foi buscar essa concha para mim tão longe?

Sorrindo ainda, ele respondeu:

- A caminhada faz parte do presente.



"O amor é a única coisa que cresce a medida que se reparte." - Saint Exupéry

A CAMA DOS PAIS


A cama dos pais tem um imã e cá para mim (ninguém me convence do contrário) tem uma magia soporífera, um misterioso pó de amor impregnado nas almofadas, que faz com que os filhos adormeçam imediatamente e que o pior dos pesadelos, o mais trepidante terror noturno, fuja a sete pés.
Na cama dos pais, o último refúgio dos medos, a paz é absoluta e total.
Ali chegam, levados por pais extenuados e vencidos, ou pelo seu próprio pé, transpirados e assustados, passarinhos a voar de noite aos encontrões pelos corredores da casa, até chegarem ao lugar dos lugares. Dois colos com lençóis macios e o cheiro dos progenitores. Caem que nem tordos a dormir, apaziguados.
Os pais fingem que se importam, na manhã seguinte: «Lá foste tu para a nossa cama! Quando é que aprendes a ultrapassar os medos e a dormir sozinho? Tens de crescer!», mas nem olham muito nos olhos dos filhos quando dizem estas coisas, com medo de que eles descubram que naquele breve regresso ao ninho, ao berço inicial, os pais se enchem de amor e ternura e também eles se confortam nas suas inquietações.
Um pescoço morno. Uma mãozinha gorducha no nosso cabelo. Um pé de regresso à costela da mãe. A respiração tranquila na fronha partilhada.
O desejo secreto de que o ninho fique assim para sempre. E que a manhã demore muito a chegar.
Que o misterioso pó de amor das almofadas preserve para sempre estas excursões noturnas de mimo que não são mais do que um inteligente prenúncio, de uma saudade imensa, dos melhores dias desta vida.
                                                                                 Rita Ferro Rodrigues

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