quarta-feira, 18 de abril de 2012

Escrever Na Areia

"Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós" Mateus 6.14


Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas longas estradas que recortam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Eram nobres e ricos e faziam-se acompanhar de servos, ajudantes e caravaneiros.


Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio barrento e impetuoso. Era preciso transpor a corrente ameaçadora.


Ao saltar, porém, uma pedra, Mussa foi infeliz e caiu no torvelinho espumejante das águas em revolta.


Ali ele teria morrido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib. Este, sem a menor hesitação, atirou-se à correnteza e livrou da morte o seu companheiro de jornada.


Que fez Mussa?


Ordenou que o mais hábil de seus servos gravasse na face lisa de uma grande pedra, que ali se erguia, esta legenda admirável:


Viajante:
Neste lugar, com risco da própria
Vida,
Nagib salvou, heroicamente, seu amigo
Mussa


Feito isso, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Allah.


Cinco meses depois, em viagem de regresso, encontraram-se os dois amigos naquele mesmo local perigoso e trágico.


E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar à sombra acolhedora daquela mesma pedra que ostentava a honrosa inscrição.


Sentados, pois, na areia clara, puseram-se a conversar.


Eis que, por motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros.


Discordaram. Discutiram. Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou, brutalmente, o amigo.


Que fez Mussa? 


Que faria você, em seu lugar?


Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando tranquilo o seu bastão, escreveu na areia clara, ao pé do negro rochedo:


Viajante:
Neste lugar, por motivo fútil,
Nagib injuriou, gravemente, seu amigo
Mussa


Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:


- Senhor! Da primeira vez, para exaltar a abnegação de Nagib, mandastes gravar, para sempre, na pedra, o feito heroico. E agora, que ele acaba de ofender-vos tão gravemente, vós vos limitais a escrever, na areia incerta, o ato de covardia! A primeira legenda, ó cheique, ficará para sempre. Todos os que transitarem por este lugar dela terão notícia. Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido como um traço de espuma entre as ondas revoltas do mar.


Respondeu Mussa:


- A razão é simples. O benefício que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria... essa negra injúria... escrevo-a na areia, como um voto, para que, se depressa daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda, desapareça e se apague de minha lembrança!


Eis a sublime verdade, meus amigos!

Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizeram, as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvires.


Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias, que te ferirem pela estrada agreste da vida.


Aprende a gravar, assim, na pedra...


Aprende a escrever, assim, na areia...


E então só assim serás livre e portanto feliz!'. 


(Malba Tahan)

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